Com o carnaval voltou à baila na imprensa a questão da “camarotização”. Quando a Fuvest fez disto o tema da redação do vestibular nacional deste ano fiquei de escrever alguma cosia a respeito e acabou passando.
Os jornais ficaram nas generalidades de sempre naquela ocasião. Nem mesmo a afirmação estapafúrdia dos professores que prepararam a prova de que “antigamente todo mundo via o jogo junto nos estádios, sem que houvesse camarotização” foi contestada. Contentaram-se com o do costume: estudantes achando o tema mais fácil ou mais difícil que os de anos anteriores, uma pá deles dizendo que é mesmo um absurdo essa vida “camarotizada” e por isso “são contra” (a “camarotização”) e por aí…
Teodore Obiang, da “Prisão da Praia Negra” para a jugular da Guiné ha 35 anos
Sendo este o tom, fiquei na dúvida sobre se o objetivo da prova era medir a capacidade dos alunos de escrever e se expressar bem em português ou medir o seu “posicionamento” ideológico em relação à “camarotização”. Dei uma rápida vasculhada no Google, passado mais de um mes da prova, mas logo desisti, tal o nível do material pescado. Ninguém parece ter feito essa pergunta. E o que disseram a esse respeito as provas corrigidas? Houve casos de provas mal escritas e mal argumentadas aprovadas por dizer mal a “coisa certa” ou provas bem escritas e bem argumentadas desclassificadas por dizerem certo a “coisa errada”?
Os anais da gloriosa imprensa pátria não esclarecem esse pormenor.
Seja como for, só para registrar, lá vai o que eu diria se tivesse feito a prova:
“O homem é um animal hierárquico e competitivo por natureza como, aliás, todos os demais que povoam este nosso mundo. Como só ha uma rua da praia de frente para a vista e para a brisa do oceano estando todas as demais localizadas da segunda rua para traz, como só ha uma primeira fila nos estádios e nos sambódromos de onde se vê o jogo sem ninguém na frente, como só parte das arquibancadas é coberta umas tantas filas têm cadeiras e as demais são só degraus de cimento ou nem isso como era no Maracanã e nos demais estádios “de antigamente”, do Coliseu de Roma ao Mário Filho, não me tendo sido dado conhecer os estádios rousseaunianos de que falavam os professores da Fuvest, e sendo tudo o mais nesta vida exatamente assim – tem filé e tem osso, com o mais que há no meio – fica impossível não “camarotizar” a vida.
Eis porque o que é imprescindível que haja são regras absolutamente claras, justas e transparentes para regulamentar as condições de acesso aos “camarotes” da vida de modo a tirar da inevitável disputa pela melhor parte que ha em cada coisa o caráter de privilégio odioso e injustificável que ela pode facilmente ganhar se valer tudo para chegar “lá”.
Teodorin, o filho, um “vencedor” com Ferraris, apartamentos em Paris, NY, Londres e “camarotes” na Sapucay
É precisamente em torno disso que gira toda a longa história da luta da humanidade para superar a lei da selva e evoluir para o Estado de Direito. E o resumo dessa epopéia é bem suscinto: o acesso aos camarotes pode se dar, ou pelo merecimento no crime, ou seja, pela contribuição que o sujeito der com a sua própria cota de crimes para que o criminoso ao qual se acumpliciou não perca jamais o controle da porta do camarote que ele próprio obteve pela força; ou pelo merecimento na construção do bem comum, ou seja, pela quantidade de subprodutos socialmente aproveitáveis que ele produzir com o esforço individual empreendido para, respeitados todos os direitos dos outros, disputar a compra com o suor do seu rosto do seu acesso e o dos seus aos “camarotes” que sempre serão escassos.
Não ha meio termo possível. Como tudo que existe fora da boa meritocracia é só uma e a mesma corrupção, se a rua da praia puder ser de quem melhor “opera” Brasília, a melhor vista do morro será inevitavelmente de quem melhor operar os fuzis e o povo inteiro acabará por cantar nu a vitória do crime organizado desfilada em apoteose diante do camarote dos genocidas”.
Será que a Fuvest me teria aprovado?
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